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Rosa do meu bairro

Posted by Robino do covil


Lídia era a mulher mais bela do meu bairro. Lídia. Quando dela se falava era sempre em surdina. Mas Joana era menos exigente. Dela já não tínhamos dessas precauções. De Rosa então, nem falar. A Rosa pelava-se por uma boa foda e estava sempre disponível. Coisas do meu bairro. Um bairro da minha cidade nem mais bonito nem mais feio do que todos os outros bairros de todas as outras cidades.

Lídia era muito jovem, não teria mais de 16 anos. Morena, alta e esguia, olhos castanhos, cabelo negro, formas delicadas e ligeiramente arredondadas. Joana era baixa e anafada e já entrada nos 30. Vestia como uma mulher de ocasião e usava dedos dos pés pintados de preto em sandálias cor-de-rosa. Quanto a essa outra Flor, bem, estava sempre disponível, era conhecida pela saudável designação de mulher do povo e gostava de fazer broche (o que era uma verdadeiro pitéu exótico visto ser desdentada).

Lídia era inteligente e reservada, esquivando-se graciosa aos nosso relances cobiçosos: do homem da tasca ao velho da cave-direita, todos a tratavam por menina e muitos ficavam com suores frios sempre que a fitavam. Joana tirava macacos do nariz e sorria-se toda antes de os engolir – gulosa. Usava blusas decotadas a imitar caxemira verde, calças pretas justas nos tornozelos e maquilhagem barata e espanpanante (o velho do rés-esquerdo ficava de pau feito só ao fitá-la).

Já a nossa Rosa era dengosa e espertalhona, baldeava-se para a esquerda e para a direita, langorosa; a arrastar o seu cú generoso e as pernas de ninfa perto da pastelaria (um caso sério) o mulherio da vizinhança torcia-se de raiva ou seria de inveja (quanto aos velhos digamos que não eram também elas esquisitas com o que não metiam na boca).

Passaram-se vinte anos desde que saí do bairro. Corri Mundo e vi muitas outras cidades, umas mais bonitas, outras com mais vida, bairros mais alegres e outros mais macambúzios. 20 anos depois – nem sem bem porquê – deu-me para o saudosismo e resolvemos cá voltar.

O bairro pouco ou nada mudou. Mesmo antes de lá chegarmos já sabia que continuava a ser um bairro qualquer de uma qualquer cidade como todas as outras que sendo a minha cidade era minha e não era de ninguém.

Eis, então, o que averiguei: Lídia fez-se toxicodependente e puta e morreu de sida. Joana casou com o dono do café da esquina, um tipo simpático (dizem) 30 anos mais velho, e é agora uma matrona gordérrima e podre de rica, (corre à boca cheia) desde que ficou viúva não há gato pingado na vizinhança que com ela não se queira amigar.

Rosa, bem, essa não precisava de ir ao bairro para saber o que lhe sucedeu (aliás, era coisa mais do que previsível); vai para 20 anos casámo-nos, temos três filhos, usa dentadura e é uma cota das mais gostosas que (no meu bairro ou noutro qualquer) vão existindo e somos o casal mais feliz do Mundo. Ela trata-me por Pai – eu a ela por Mãe.

Texto enviado pelo meu douto e excelso colega
Luís Namora; Ilustração via Rita Hayworht

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